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Postado 07/03/2022 às 13:40:11 por Farmacêutico
A infodemia transcende a pandemia
Trata-se de um estudo que apresenta uma reflexão sobre o processo de dissonância cognitiva causada pela infodemia.

A emergência de saúde pública global deflagrada pela virulência da COVID-19 evidenciou a evolução da capacidade humana de entender, conceituar e reagir a uma pandemia, bem como buscar as melhores evidências para a tomada de decisões. A partir das evidências estabelecidas em Wuhan, na China, em dezembro de 2019, cientistas levaram média de apenas duas semanas para fazer o sequenciamento genético do vírus Sars-CoV-2 identificado em pacientes infectados e, menos de um ano depois, já existiam vacinas comprovadamente eficazes contra a infecção causada por esse patógeno. Foi uma resposta rápida e eficiente, sobretudo, se comparada às respostas que a humanidade conseguiu ensaiar frente a outras pandemias, como a da H1N1, da Gripe Espanhola e da Peste Negra, guardadas as devidas proporções.

Entretanto, o notável avanço científico atinado na compreensão do novo coronavírus não impediu o fracasso retumbante nas estratégias de nações como o Brasil, a Índia e os Estados Unidos no enfrentamento à pandemia da COVID-19, fato que se confirma pelo volume expressivo de casos confirmados, internamentos dos casos graves em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e mortes evitáveis registradas nesses países. Para além das equivocadas políticas de saúde pública, como a imunidade de rebanho e a aposta em medicamentos sem evidência científica, esse resultado se deve à valoração exacerbada de curas milagrosas, de teorias conspiratórias, de notícias espetaculosas e da sedição contra vacinas, em detrimento de medidas sanitárias simples e comprovadamente eficazes, como o uso de máscaras, a higiene das mãos, a manutenção do distanciamento social e a aquisição de imunizantes em tempo hábil e oportuno.

Essas contradições levaram parte considerável da população a uma dissonância cognitiva, caracterizada pelo volume exponencial de conteúdo disponível na rede mundial de computadores sobre a pandemia. Tanto que a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a empregar o termo infodemia, para designar o excesso de informações, precisas ou não, que tornam difícil encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis.

Nesse contexto infodêmico, a propagação de notícias falsas ou fantasiosas pode ocorrer como um viés de confirmação, que leva os indivíduos a buscarem informações que ratifiquem as suas próprias crenças. Não obstante, levando em conta a polarização da discussão sobre a COVID-19 no Brasil, é notável a produção em larga escala de fake news sobre a pandemia, de maneira deliberada, intencional e criminosa, com o objetivo de enganar, manipular, ludibriar e negar a realidade, por razões políticas, econômicas e ideológicas.

Em sentido estrito, é providencial discutir maneiras objetivas de aplacar a produção deliberada de notícias falsas sobre saúde pública e identificar condutas delituosas, que interferem na implantação de políticas públicas eficientes e, consequentemente, causam desassistência, caos e mortes. Contudo, é prudente e necessário buscar engendrar essa iniciativa sem ferir o direito à opinião, sem prejudicar as liberdades individuais e invadir a privacidade dos cidadãos. Nesse contexto, é fundamental não dar margem para a censura, pois isso seria ainda mais prejudicial à sociedade e à democracia do que a própria infodemia.

Esforços práticos estão sendo desdobrados em escala global para conter os efeitos negativos da infodemia decorrentes da pandemia da COVID-19. Logo após a decretação da emergência de saúde pública global decorrente desta doença, a OMS lançou uma nova plataforma de informação chamada WHO Information Network for Epidemics (EPI-WIN), com o objetivo de divulgar, compartilhar e amplificar mensagens corretas para públicos específicos. No entanto, a tarefa não é nada simples. O combate à epidemia de notícias falsas, sobretudo àquelas que afetam a credibilidade das vacinas e a eficiência de medidas sanitárias, passa por questões estruturais que transcendem as fragilidades de segurança dos aplicativos de comunicação e a atividade criminosa das quadrilhas de desinformação. O combate à fácil penetração das fake news em uma determinada sociedade passa essencialmente pela qualidade da educação, pela sanidade do debate político, entre outros fatores sociais, culturais, políticos e econômicos. Por isso, é tão difícil equacionar a solução do problema em tempo hábil, na medida em que o fenômeno ocorre.

Fonte: www.scielo.br